‘Demissão silenciosa’: Trabalhar menos é ilegítimo?

Depois de ‘The Great Resignation’ veio o ‘Quiet Quitting’. Os dois termos foram cunhados por pessoas anglófonas mas o sentimento (e a ação) espalhou-se um pouco por todo o mundo. 

O primeiro, A Grande Demissão, definido pelo professor universitário Anthony Klotz, espelha um movimento em massa de abandono do emprego durante o confinamento. Trata-se de pessoas insatisfeitas (da desmotivação ao burnout) com a respetiva situação laboral, que viram na pandemia uma forma de recomeçar as suas vidas; e não foram poucas: dados norte-americanos apontam para a demissão de 47 milhões de trabalhadores.

Já ‘Quiet Quitting’ traz outras questões e nuances. A primeira prende-se logo com a própria definição, que pode levar a interpretações abusivas. O termo, que surgiu num vídeo publicado na rede TikTok por Zaid Kahn, não se traduz em despedimento, demissão ou abandono à socapa, sem comunicação. Khan, um engenheiro de 24 anos, definiu descrevendo-o: “Continuamos a desempenhar as funções atribuídas, mas abandonamos a ideia de que o trabalho deve ser a nossa vida.” 

O Quiet Quitting, que português literal poderia ser Demissão Silenciosa, corresponderá, então, a um abrandamento do ritmo e do volume de trabalho de forma progressiva, sem o comunicar; alguns meios optaram por ‘Desistência Silenciosa’. E desistência de quê, exatamente?

Esta é a questão que se impõe no mundo empresarial privilegiado – certos trabalhadores simplesmente não têm forma de abrandar o ritmo. Será que trabalhar menos é ilegítimo? E como chegámos a um ritmo de trabalho tão alto que nos obriga a colocar o bem-estar, a saúde mental que nos permite desempenhar essas mesmas tarefas, em segundo plano? 

Estas questões não são propriamente novas mas o que aconteceu para agora as podermos colocar foi a pandemia e o consequente confinamento. Com tudo o que de negativo trouxe, a covid-19 permitiu a quem ficou a trabalhar a partir de casa conhecer outro ritmo e forma de estar e sentir – da situação profissional à vida familiar.

Este fenómeno juntou-se a uma força de trabalho mais jovem, com outras prioridades – menos obstinada, com objetivos de vida mutáveis e menos tangíveis. Empregos para a vida e poupanças para comprar casa são agora menos comuns face a outros tempos.

Estas circunstâncias permitem, de certa forma, que os jovens trabalhadores tenham uma palavra mais forte perante as chefias do que a geração anterior: simplesmente recusam-se a negligenciar a saúde mental (agora que puderam comprovar a sua importância).

Em declarações à revista brasileira VEJA, Priscyla Priscyla Queiroz, analista de recrutamento, conta ser comum, por exemplo, jovens recusarem oportunidades em empresas que exijam o trabalho 100% presencial. “Eles procuram o maior número possível de benefícios, o que inclui horas a mais de sono, estudo ou lazer” – e isto passa-se também em Portugal, Espanha e Europa fora.

Num relatório da Gallup sobre o mundo do trabalho em 2021, podem ler-se várias conclusões que explicam esta mudança: o stress dos trabalhadores atingiu máximos históricos, mesmo acima do primeiro ano de confinamento e, em sentido inverso, a esperança diminuiu.

Com estes resultados, as empresas mais conscientes e que se preocupem em sobreviver têm de redefinir a forma de trabalhar, até porque o relatório é perentório: “O bem-estar dos trabalhadores tem de ser a nova prioridade no local de trabalho” (mesmo que este seja o lar). “As organizações têm de encarar os seus colaboradores como pessoas, não apenas como trabalhadores. Os líderes devem adotar medidas de bem-estar na gestão diária das suas empresas e priorizar o bem-estar dos funcionários como parte da identidade da organização.”

Os sintomas acima descritos, como já referimos, não são nem recentes nem exclusivos das gerações mais novas do mercado de trabalho; estas simplesmente encontraram forma de as identificar. Contudo, ao subirmos na faixa etária vamos encontrar pessoas tão ou mais fustigadas por ritmos de trabalho irresponsavelmente estabelecidos e nunca revistos. 

O que se pede às organizações, mesmo que não haja queixas dos seus trabalhadores (muitos não se expõem com receio), é a mesma prática consciente e priorização da componente humana e social, com o objetivo de retirar o máximo da parte laboral. 

Só uma abordagem holística poderá atingir tais metas. Uma boa forma de o fazer é com formações que integrem todas as vertentes da pessoa, dando ferramentas para que estas se sintam melhor consigo próprias, mais realizadas, tanto na vida privada como no local de trabalho. 

Conhecer os limites e ter a capacidade de ‘dizer não posso continuar assim’ ou ‘preciso de mudar’ é uma aprendizagem. Alguns dos sinais de que os limites físicos e/ou psicológicos estão a ser ultrapassados são: desânimo, falta de criatividade, procrastinação, cansaço físico, cansaço mental, pensamento lentificado, pouca capacidade de entrega a momentos de prazer. Se apresenta alguns dos sintomas descritos talvez seja o momento de repensar a sua abordagem perante o trabalho. Em vez de se demitir silenciosamente talvez possa olhar de frente para as dificuldades e dar espaço ao que está a sentir perante o trabalho que está a realizar ou a empresa à qual pertence. 

Brevemente, o IPPC terá de regresso o programa de redução de stress baseado em mindfulness (MBSR), que aborda as questões levantadas neste artigo. Se é trabalhador, não perca esta oportunidade de melhorar a sua vida; se faz parte da chefia, aproveite para melhorar a dos outros e, consequentemente, a produtividade da empresa.